Está tudo perfeito. Sol batendo suavemente na pele. Crianças sorrindo em plena harmonia com os pais em um parque belíssimo. Uma harmonia pura e imaculada em cada pedaço verde de lá. Meu corpo estático. Minha respiração pequena debaixo de uma grande árvore. Coluna ereta. Dela sai uma raiz profunda abraçando a terra. Sugando o néctar da energia telúrica que sobe e se concentra no meio do meu peito. Do topo da minha cabeça também desce o prana como se ela estivesse enterrada no céu. E a raiz agora da energia cósmica nutre minha glândula pineal que se acende e impulsiona essa energia também para o meio do meu peito. Então sinto o Grande Espírito em mim. Manitu. Fico assim. Sem pensar. Apenas sendo isso. E aquilo. Tudo. A criança. Sinto sua respiração em mim. Sinto os músculos do seu pequeno corpo se contraírem para segurar a balança. O aço gelado da corrente da balança na palma das suas mãos. Sou o sorriso do pai vendo aquilo. Sou a criança. Sou o pai. Sou a grama. Sou nada. Fico minúsculo quando percebo o espaço. Como se uma câmera de mim subisse para bem alto. Meu Deus. Não sei se aguento. Calma, ainda não. Falta maturidade para sentir algo desse tamanho. Gratidão. Uma gratidão me envolve e fico só nisso. Me sinto pequeno, muito pequeno. E nessa pequinez me entrego, me ajoelha e agradeço. A tudo. Ao que eu nem sei direito o que é. Mas sinto. E percebo a grandiosidade da coisa. Sei que é algo que minha mente analítica não tem capacidade de entender ainda. Minhas pernas doem por falta da circulação. Tento manter minha conscência onde estava. Mas é impossível. Ela está no meu corpo agora. No “meu” corpo. Identificação. Ego. Eu. Estou de volta. Mas diferente. Algo grande nesse peito pequeno. Abro os olhos. Vejo as crianças brincando no parque lá na frente. Uma mulher correndo. O sol batendo na grama. Tudo perfeito. Descruzo minhas pernas com as mãos. Elas estão dormentes. Uma hora. Perco a noção do tempo em que estive ali. Espero a circulação voltar as pernas. Sinto uma dor muito grande quando isso acontece. Me acostumei com ela. Me levanto e vou caminhando em direção a bicicleta. Minha percepção ainda está dilatada. Ainda em expansão. Observando. Um sentimento grande no peito. Diferente. Estou bem. Muito bem. Mas não sinto a felicidade que normalmente sinto quando tenho a sorte de uma experiência assim. Então me aproximo um pouco mais daqueles pais e crianças no parque. Passo por eles. Meu peito se aperta. Muito apertado. E escuto dentro de mim: vai doer. Meu peito se aperta ainda mais. Não consigo controlar a emoção. Como assim vai doer? Está tudo lindo, tudo perfeito. A voz dentro de mim se repete: vai doer. Meus olhos correm rapidamente para as pessoas, as crianças, os sorrisos. Seguro um pouco. Pessoas olham para mim. Olho para o chão escondendo as lágrimas. Pego minha bicicleta e corro para o meio do parque o mais longe possível das pessoas. Por que vai doer? Pergunto dentro de mim. E a resposta vem em seguida. Sem dó: uma hora vai doer. O pai vai perder o filho. O filho vai perder o pai. A perda. A doença. A morte. Porque tem que ser assim? Insisto agora já soluçando. Uma imagem preenche minha tela mental. Shiva. O transformador. Despenco na grama em um choro copioso. Profundo. Muita dor. Deito de costas na grama. Aperto a terra com as mãos. Olha as nuvens e não entendo porque estou chorando desse jeito. Porque está doendo tanto? Eu sabia que não ai aguentar. Por que estou chorando assim? Não escuto nada. Mais nada. Deixo a última gota dessa dor se esvair totalmente de mim. Enxugo os olhos e procuro não olhar para mais ninguém. Apenas deixo aquilo tudo se aquietar dentro do meu peito. Dentro de minha alma. O que foi aquilo? No caminho para casa vejo um homem fora do carro. Meus olhos se encontram com os dele. Ele pede ajuda. Eu escuto através dos seus olhos. Tenho que ir para casa. Impossível ignorar. Volto e empurro seu carro. Saio. Chego finalmente em casa. Encontro minha amiga. Pergunto para ela o que foi aquilo. Ela me responde. “Foi a dor do mundo”. O que? “Você sentiu a dor do mundo Leandro”. Então uma sucessão de imagens e textos de alguns dos milhares de livros que já li fizeram sentido naquele momento. Meus Deus. Então é isso. Aí finalmente compreendi, não com a mente, mas com a alma a frase do Budha que diz o seguinte: “Abaixo a iluminação só existe dor”.
Luz e Sombra,Morte e nascimento; são as forças opostas querendo dizer as mesmas coisas, porém de formas diferentes. E às vezes quando há morte, há também REnascimento. Tudo é um ciclo, vai e vem, o infinito. E só sabemos o que realmente é felicidade porque também existe a Dor.E felicidade e dor também podem ser transformadas em SAUDADE.E que seja eterno enquanto dure!
ResponderExcluirPS:Não resisti não comentar...Adoro os seus textos.
Bjo
Karen Campos