sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Playboy.

Sala de parto. Pai fumando de um lado pro outro enquanto sua donzela, princesa, tchutchuca, pitiquica está estrebuchando e dando tudo para dar a bendita luz. Senhor, é uma menina! A dona desmaiada na sala de parto e o coroa desmaiando na sala de espera. Semanas depois, no boteco com os amigos, ele afoga as mágoas: “O que será de mim, o que será da minha coleção da Playboy? Não agüento esperar um neto. E se tiver uma neta, então, caio duro na hora. Ele vai se afogando no boteco, nas fraldas mijadas de madrugada, nos choros sequenciais intermináveis. E o tempo vai passando. Sua mulher mutante volta às roupagens naturais acompanhada dos adjetivos coerentes ao seu passada tão esperado pelo marido. Sua cintura voltou ao normal, suas nádegas não parecem mais sacos de estopa ou massa de pizza. Ele voltou a chamá-la de princesa, donzela, tchutchuca, gostosa, delícia e por aí vai. Aquele monstrinho que dorme de dia e grita à noite, soltando detritos fedorentos por todos os lados, também se transforma. Mutantes. Agora corre pela casa com uma delicadeza indescritível. É uma fadinha. Uma menina com sensibilidade que deixam nosso querido papai desolado, inconformado, apaixonado, preocupado em pensar perdê-la um dia para alguém como ele. O que seria dele sem ela? Na sala, lendo o jornal, lembra dela entrando sem fazer barulho e, por entre suas pernas, sobe no sofá, deita em sua avantajada pança e diz com o rosto colado no seu estômago: “Papai, eu te amo”. Nesse instante, todos os planos frustrados de empinar pipas, jogar bola e presentear o filho com sua coleção completa da Playboy desde 1950 desaparecem da sua mente dando lugar apenas aquela frase. O tempo continua passando. Ela já não é mais aquela fadinha. Já está uma princesinha, com trejeitos de puberdade próxima. Ele dá uma olhada para sua donzela e vê um dragão. Cadê minha donzela? Se olha no espelho, empapado, barrigudo, e continua questionando. “Cadê também aquele príncipe que eu era?” Sua coroa vem por trás e te dá um beijo abraçando sua barriga. Ele retribui com um sorriso nos lábios, feliz da vida por ter duas mulheres maravilhosas ao seu lado. Afinal, nunca foi tão amado em toda a sua vida. Um dia, acorda e vê sua princesinha e percebe que também virou uma donzela, uma tchuchuca, uma delícia. De alguém? Espanta qualquer pensamento sobre tal assunto. E aquela nova donzela ainda o abraça e diz que o ama com a mesma delicadeza e carinho de vinte anos atrás. Ela ainda é o meu bebê, pensa ele já com os neurônios em extinção. Depois de um jogo de damas na praça resolve comprar palavras cruzadas numa banca próxima. Passando seus olhos fracos pelas revistas, vê algo familiar. Os mesmos olhos fracos se esforçam e um brilho realça a catarata. É a minha princesa. Ela está numa revista. Minha princesa numa revista. Seus olhos correm para o título, Playboy, e se fecham para sempre.

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