Depois de fadigar o meu corpo por quase uma hora, me sento em padmasana embaixo de uma árvore. Isso me ajuda a entrar mais rápido num estado meditativo. Fica mais profundo. Com os olhos fechados escuto as crianças brincando no parquinho ao fundo. Percebo pessoas passando atrás de mim. Cachorros, bicicletas, vozes. Vou interiorizando. A percepção das pessoas vai diminuindo. Aumenta a percepção do meu corpo. Do batimento cardíaco. Uma formiga anda sobre o meu corpo. Aproveito para voltar ainda mais a atenção para ele. Vou para dentro. Fundo. Cada vez mais fundo. Meus pensamentos agora fazem tanto barulho quanto lá fora. Muito barulho. Não dou bola. Fico apenas observando. Em alguns percebo me envolvendo emocionalmente. Mas vou me distânciando mais e mais. Quase nenhum pensamento. Apenas eu, meu corpo e minha respiração. Delícia. Impossível descrever a sensação. Mas é como se você entrasse num estado em que ficasse olhando para você mesmo, completamente dentro de você, consciênte de você. Livre de qualquer ansiedade, cobrança, preocupação com futuro, reponsabilidade ou qualquer coisa. Apenas ali, no que chamam de presente. Exceto por uma frase. Apenas uma insistente frase. Que permaneceu: Por que não dá certo? Por que não dá certo? E se repetia dentro da minha mente. Mas nesse momento eu já estava apenas como um telespectador olhando praquilo. Apenas olhando. E a palavra lá. Fiquei assim. Olhando. Sem sequer uma ansiedade ou possibilidade de resposta. Como se eu fosse um analfabeto olhando uma frase na lousa. Não sei quanto tempo se passou. Mas num instante a frase mudou para: Já deu certo. Nesse momento tive uma expansão da consciência e foi como se eu deslizasse para dentro de mim mesmo, dentro do meu sistema fisiológico. Como se eu pudesse ver claramente a complexidade dos orgãos, das glândulas, dos ossos, músculos, veias, sangue, e foi afunilando mais e mais. Vi os glóbulos no sangue, as células, as trocas celulares. Tudo impressionantemente rápido e claro, com uma lucidez incrível. E sem racionalizar a experiência, ou seja, ainda totalmente como telespectador. A resposta se fez exata, não na minha mente, mas no meu ser: Já deu certo. E como se não bastasse, mas para mim já havia bastado, da visão micro do organismo, fui para o oposto numa velocidade tão rápida quanto a primeira. Vi meu corpo sentado embaixo da árvore e fui subindo, vi o planeta onde esse corpo estava. Daí para outros planos que não ouso mencionar, fui para o momento da minha escolha, da decisão, do meu processo reencarnatório. Com um estouro de lucidez de tudo o que se passou para eu estar aqui, agora, nesse corpo, desse jeito, nesse lugar, com essas características, cores, pessoas, tudo, absolutamente tudo, per-fei-ta-men-te cer-to. E isso era tão claro para mim como respirar. Foi como se me mostrassem tudo. Como funciona e como funcionou.
Sinto meu peito se enchendo de ar como se eu estivesse respirando só aquela hora. Escuto as crianças brincando ao fundo, passos de pessoas, cachorros, bicicletas, sinto a formiga andando sobre minha perna agora. Obro meus olhos. Me impressiono pela coloração. Faz tempo que não vejo o mundo com esses olhos. Me espreguiço. Espero a circulação das minhas pernas voltarem. Me levanto com dificuldade. Ainda sem muita noção de tempo. Nem olho no relógio. Pego minha bicicleta e vou embora. A palavra? Sumiu. A resposta? Não preciso mais dela. Já deu tudo certo.
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