sábado, 30 de julho de 2011

Tréquinho.

Você tem tudo. Tem uma boa saúde. Uma boa família. Uma boa casa. Um bom carro. Um bom marido. Mas tem algo que não está bom. “Não sei o que é. Algo que me incomoda, que, sei lá”. Então, você vai e compra roupas novas. Compra um carro novo. Uma casa nova. E tem até quem arruma um marido novo. Fica tudo melhor. Mas o tréquinho lá dentro de você continua incomodando. Que nem um inseto que fica rodeando a orelha da gente, sabe? E a gente tenta espantar com as mãos e ele torna a voltar. Então, lá vai você de novo. Compra roupas novas, pega um carro melhor, uma casa maior, ou uma na praia talvez. Tem mais um filho. E vai acumulando tranqueiras envolta de você. Acumulando coisas para tentar diminuir o ruído desse tréquinho aí dentro que não para de encher. Mais do mesmo, sempre mais do mesmo. E nunca está feliz. Se está é por um tempo. Um ano, dois, trinta anos talvez, mas dura pouco. O engraçado é que ninguém para pra prestar atenção nesse tréquinho que incomoda. Ninguém para um minutinho sequer para olhar para isso. Pra ver o que é, do que se trata, como chama ou o que significa esse tréquinho aí dentro. É mais fácil jogar coisas em cima dele para abafar o ruído. Bem mais fácil.
Mas tem gente que se enche dele e para pra prestar atenção. Sabe aquele negócio: “Se não pode vencê-los junte-se a eles”? Então. Aí ela vai lá, entre um relacionamento e outro, um carro maior e outro, entre os mais do mesmo, e para. E escuta...
... e se assusta. Porque... “Cadê o tréquinho que tava aqui? Disgramado!!! Ficou a vida inteira me atazanando e quando eu finalmente resolvo parar para escutá-lo ele some!!!”
Opa, mas peraí, também tem outra coisa aqui. Tem um frescor. Um silêncio gostoso. Que bom é isso. Nossa, quanto tempo eu não para. Não fico quietinho aqui comigo!
E aí percebe o quanto de coisas vem acumulando em volta de você. Quanto coisa inútil vem acumulando dentro de você. Coisas que não tem nada a ver com você. Podia até ter a ver com aquilo que você achava que era você. Mas não com esse você aí, de verdade.
Percebe que aquele trequinho que incomodava tanto era uma parte sua dizendo assim: “Hei, olha pra você, cara. Olha para o que você está fazendo com você. Você ainda se lembra de como você era? Lembra dos seus valores? Do que você acreditava? Quais eram seus sonhos quando era moleque? Ta aí na vida jogado. Correndo. Se anulando. Vivendo a vida de outras pessoas. Do pai, do marido, do filho, do chefe. Se liga, meu chapa.
Mas é raro quem dê ouvidos a si mesmo. Vai levando a vida, no sopetão. Fazendo. Correndo. Acumulando. Se anulando e vivendo a vida de outras pessoas. Para, no final das contas, olhar em volta e perceber que está cheio de tudo e vazio de si mesmo.